Jani Sofia Pinheiro Ferreira1 e Marli Lopo Vitorino2
1Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica Serviço de Medicina Intensiva, Unidade Local de Saúde de Santa Maria, Lisboa, Portugal jani.ferreira@ulssm.min-saude.pt ORCID: https://orcid.org/0009-0001-2826-8258
2Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica Serviço de Medicina Intensiva, Unidade Local de Saúde de Santa Maria, Lisboa, Portugal marli.viorino@chln.min-saude.pt ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7084-8304
A comunicação em Cuidados Intensivos é particularmente desafiante em pessoas com ventilação mecânica invasiva e/ou limitações comunicacionais. A Comunicação Aumentativa e Alternativa pode melhorar o conforto, satisfação, segurança e interação com a equipa e família; contudo, a evidência sobre ferramentas digitais, como o software GRID 3®, é limitada. Este projeto visa contribuir para a melhoria da comunicação da pessoa com ventilação mecânica invasiva e/ou limitações comunicacionais, promovendo a interação com a equipa e família, através da utilização do GRID 3® num Serviço de Medicina Intensiva. Metodologicamente, o projeto é de natureza mista e sequencial, envolvendo a fase de planeamento, aprovação ética, aquisição de equipamentos, formação, implementação piloto, monitorização, avaliação e divulgação. Participaram 39 enfermeiros na intervenção em estudo. Apesar do elevado conhecimento sobre o software, a sua utilização foi limitada, evidenciando a necessidade de formação e apoio organizacional, reforçando o papel da enfermagem na mediação da comunicação na prática clínica.
Palavras-chave: Augmentative and Alternative Communication; Communication Barriers; User-Computer Interface; Intensive Care Units; Pilot Projects Comunicação Aumentativa e Alternativa; Barreiras de Comunicação; Interface UsuárioComputador; Unidades de Terapia Intensiva; Projetos-Piloto
A comunicação constitui um pilar essencial no processo de cuidados em saúde, sendo determinante para a interação eficaz entre profissionais, pessoas internadas e suas famílias, com impacto direto na qualidade, segurança e humanização da assistência (1,2). A sua importância é transversal a todos os contextos clínicos, pois permite identificar necessidades, alinhar cuidados às preferências individuais, prevenir complicações e eventos adversos e, ainda, promover satisfação durante o internamento. Em Serviços de Medicina Intensiva (SMI), onde a complexidade clínica, o risco de morte iminente e a exigência de respostas rápidas a emergências tornam o ambiente altamente desafiante, as barreiras comunicacionais surgem de forma significativa, afetando simultaneamente o bem-estar físico e emocional da pessoa, da família e da equipa de saúde (3). As pessoas submetidas a ventilação mecânica invasiva (VMI) experienciam a impossibilidade de comunicar verbalmente como uma das vivências mais frustrantes e stressantes durante a hospitalização (4,5). Estas dificuldades também se refletem na família, que frequentemente relata impotência, ansiedade e frustração pela incapacidade de compreender o familiar internado. Para os profissionais, especialmente os enfermeiros que mantêm contacto constante com a pessoa e a família, a limitação comunicacional representa desconforto e incerteza, traduzindo-se em dificuldades na implementação de cuidados efetivamente centrados na pessoa (6–8). Assim, a Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) apresenta-se como uma solução promissora para colmatar limitações da comunicação verbal. A CAA integra estratégias e ferramentas que podem variar entre recursos de baixa tecnologia, como símbolos não digitais, até softwares digitais avançados que substituem ou complementam a fala (5,9). Entre estes, o GRID 3® destaca-se pela flexibilidade e possibilidade de personalização, permitindo adaptar a interface às necessidades da pessoa, ampliando a autonomia comunicacional e promovendo uma interação mais efetiva com a equipa e família. Apesar do seu potencial, a evidência científica sobre a utilização do GRID 3® em cuidados intensivos permanece escassa, reforçando a pertinência de projetos que investiguem a sua aplicabilidade, viabilidade e aceitabilidade (10). Assim surge a questão de investigação: De que forma a implementação do software GRID 3® contribui para melhorar a comunicação da pessoa com VMI e/ou limitações comunicacionais, num SMI?
Estabeleceu-se como objetivo geral contribuir para a melhoria da comunicação da pessoa com VMI e/ou com limitações comunicacionais, promovendo a interação com equipa e família através da implementação do GRID 3® num SMI. Como objetivos específicos, identificar as principais dificuldades de comunicação vivenciadas por estas pessoas; implementar a CAA recorrendo ao GRID 3® no contexto em estudo; facilitar a comunicação entre pessoa, equipa e família; analisar a viabilidade e aceitabilidade do software com os enfermeiros.
O projeto de natureza mista sequencial (descritiva e qualitativa-quantitativa), contemplou: planeamento, aprovação ética, aquisição de equipamento, formação, implementação, monitorização, avaliação e divulgação. 1. Planeamento: definição do problema e objetivos. 2. Aprovação: aprovação pela Comissão de Ética da instituição (Ref. n.º 51/23, em 10/04/2023) e autorização formal do Diretor Clínico e da Diretora de Enfermagem. Todos os procedimentos cumpriram os princípios éticos da Declaração de Helsínquia (11), tendo sido obtido consentimento informado escrito de todos os participantes. 3. Aquisição: aquisição de um tablet Microsoft Surface® e uma licença de software GRID 3®. 4. Formação: apresentação do projeto à equipa e realização de sessões de formação. 5. Implementação piloto: aplicação do GRID 3® em pessoas internadas no SMI, conscientes, sob VMI à pelos menos 24 horas ou com limitações de fala, com pontuação na Escala de Richmond de Agitação-Sedação entre 0 ou +1, sem delirium (Confusion Assessment Method for the ICU negativo), que consintam participar na investigação. Foram excluídas pessoas antecedentes psiquiátricos agudos, défice cognitivo grave, traumatismo crânio-encefálico, alterações sensoriais severas (como surdez, cegueira ou défices auditivos ou visuais não compensados), não fluentes em português. 6. Monitorização: análise da viabilidade e aceitabilidade do software GRID 3® por meio de um estudo piloto exploração das perceções dos enfermeiros do SMI quanto à sua implementação. Foram excluídos estudantes de enfermagem e outros profissionais de saúde. A colheita de dados foi realizada através de um questionário online (Microsoft Forms®); os dados foram extraídos pelas duas investigadoras, e analisados com recurso ao Microsoft Excel®, permitindo uma análise estatística e temática. 7. Avaliação (fase atual): propostas sugestões de melhoria e implementados os ajustes necessários para otimizar a intervenção piloto. 8. Divulgação: previsão de apresentação em reuniões, congressos e publicação científica. O estudo ocorreu no SMI da ULS de Santa Maria, constituídos por 24 camas distribuídas por dois espaços físicos distintos. De salientar que em 2024, registaram-se 1 140 internamentos, com média de idade de 61,4 anos e tempo médio de permanência de 6 dias. A VMI foi utilizada em 57,5% dos casos, com 40,3% ventilados por mais de 48 horas, com duração média de 5,5 dias. A equipa de enfermagem conta com 91 profissionais (74% mulheres, 26% homens), com idades entre 22 e 59 anos.
Entre 2022 e 2023, as investigadoras receberam formação do fornecedor do software e adaptaram o GRID 3 ® às necessidades do contexto clínico. Foram promovidas três formações presenciais e disponibilizado um vídeo formativo em formato e-learning, além da designação de “elos de referência” na equipa para apoio técnico. A implementação decorreu entre abril de 2023 e dezembro de 2024, com apenas um dispositivo disponível para duas unidades, aplicando-se o critério de equidade first come, first served. O estudo piloto, realizado entre maio e julho de 2025, contou com 39 enfermeiros (34% da equipa), assegurando consistência para a análise (12,13). Os resultados mostraram que 84% dos participantes frequentaram a formação e 79% conheciam o projeto, em vigor desde 2023, embora 21% ainda o desconhecessem — possivelmente devido à taxa de turnover (13,7% em 2024), fator que compromete a continuidade dos projetos institucionais, conforme evidenciado na literatura (14). Quanto aos critérios de referenciação, 45,3% relataram aplicá-los sempre, mas 41,9% indicaram uso inconsistente, sugerindo necessidade de maior uniformização, formação contínua e monitorização. Estudos prévios confirmam que a adoção da CAA requer não apenas sensibilização, mas programas estruturados de capacitação e suporte organizacional (6,15). Em termos de utilização prática, 58,3% recorreram ao GRID 3 ® entre uma e três vezes no último ano, enquanto 3,2% nunca o utilizaram, revelando discrepância entre conhecimento e adesão efetiva, situação já descrita noutros estudos em cuidados intensivos (14,16). A aceitabilidade do software foi globalmente positiva, com mais de 90% a considerarem no pouco ou nada difícil de usar, contrariando perceções de complexidade frequentemente associadas às tecnologias digitais em saúde (5). Contudo, 45,2% relataram ausência de suporte durante a utilização e 10% avaliaram o sistema como inadequado, apontando limitações na personalização e variedade de opções, aspetos que a literatura identifica como cruciais para a aceitação cultural, linguística e funcional das tecnologias de CAA (14,17). Entre as sugestões, destacaram-se a necessidade de formação contínua, maior apoio institucional, ampliação do número de dispositivos e implementação de medidas de prevenção e controlo de infeção associadas ao uso do equipamento. Estes resultados confirmam que a integração sustentável da CAA depende de investimento organizacional, suporte permanente e políticas de capacitação (6,15,17). Assim, embora a perceção sobre a viabilidade e aceitabilidade do GRID 3® tenha sido positiva, a sua utilização prática permaneceu limitada por fatores organizacionais e de recursos. Esses achados reforçam o papel estratégico da enfermagem na mediação da comunicação em contextos críticos, mas também demonstram que a tecnologia, isoladamente, não garante mudanças sustentáveis sem suporte institucional adequado (14,17).
A implementação do GRID 3 ® demonstrou potencial para melhorar a comunicação de pessoas com VMI ou limitações comunicacionais em cuidados intensivos, promovendo uma abordagem humanizada e centrada na pessoa. Todavia, barreiras como a escassez de dispositivos, ausência de formação estruturada e elevada rotatividade de profissionais condicionaram a adesão efetiva. Este estudo apresenta limitações relevantes, nomeadamente amostra reduzida, caráter não probabilístico, a existência de apenas um dispositivo para um serviço extenso e ausência de avaliação direta da perceção da pessoa e família. Para o futuro, recomenda-se o investimento em formação contínua, aquisição de mais dispositivos, registos específicos no sistema informático e adaptação cultural e linguística do software. Além disso, novas investigações deverão integrar metodologias mistas que contemplem não só a perceção dos profissionais, mas também da pessoa e família, bem como analisar o impacto da CAA em outcomes clínicos e psicossociais, de modo a consolidar evidência científica robusta e promover a integração sustentável destas tecnologias na prática assistencial.