
Odete Mendes
Enfermeira Gestora
Unidade de Internamento de Cuidados Paliativos Agudos da ULSSM _ Pulido Valente
No passado mês de outubro assinalou-se o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, uma data dedicada à sensibilização para a importância destes cuidados.
Neste contexto, e coincidindo com a recente abertura da Unidade de Cuidados Paliativos Agudos da ULSSM, no polo Pulido Valente, o Núcleo de Enfermagem Médico-Cirurgica considera de particular relevância refletir sobre o papel essencial que estas unidades desempenham na humanização dos cuidados de saúde e no apoio integral ao doente e à sua família. Para tal realizámos uma entrevista com a Enfermeira Gestora Odete Mendes, responsável pela coordenação da equipa de enfermagem e pela implementação das boas práticas clínicas e éticas que norteiam os cuidados paliativos.
Enfermeira há 32 anos, especialista e mestre em Enfermagem Médico-Cirúrgica, com pós-graduação em Cuidados Paliativos. Tem vasta experiência em cirurgia e doente crítico e atualmente é a Enfermeira gestora na UICPA.
1 – Poderia descrever brevemente há quanto tempo existe a UICPA, a sua origem e os principais objetivos, bem como a lotação habitual e o perfil clínico mais frequente dos doentes internados?
A Unidade de Internamento de Cuidados Paliativos Agudos (UICPA) foi criada a 24 de março de 2025 e inaugurada oficialmente a 21 de maio, com 8 camas.
É uma unidade de internamento especializada, para doentes que necessitam de cuidados diferenciados e multidisciplinares, por apresentarem uma situação clínica aguda complexa decorrente da progressão de uma doença incurável, capaz de dar resposta a situações de crise, com foco em dignidade, conforto e humanização.
Os principais objetivos são aliviar a dor e sintomas refratários como dispneia, delirium ou hemorragia, promover bem-estar físico, emocional, social e espiritual, e planear cuidados individualizados. Sempre que possível, preparamos alta, mas também acompanhamos doentes em fim de vida e apoiamos famílias no luto antecipatório.
Desde que iniciamos a nossa atividade enquanto unidade em abril até ao outubro admitimos 160 doentes, na maioria provenientes do serviço de urgência central da ULSSM, mas também recebemos muitos doentes transferidos de outros serviços como medicina, cirurgia, e hospital dia de pneumologia oncológico.
Os sintomas mais frequentes são a necessidade de controlo de dor, náuseas, hemorragia, alguns doentes com feridas complexas e doentes com pneumonias de aspiração associadas a situações de complexidade de doença.
Recebemos muitos doentes que vêm da urgência em situação de últimas horas/dias de vida. Parece-me que ainda existe um desconhecimento sobre os critérios de admissão dos doentes numa unidade de cuidados paliativos agudos.
OS Critérios de admissão incluem instabilidade clínica que decorre da progressão da doença, nomeadamente: Múltiplos sintomas físicos instáveis/resistentes/refratários; como delirium; hemorragia catastrófica iminente, deterioração rápida do estado geral, necessidade de cuidados complexos ou decisões éticas difíceis. A complexidade clínica que decorre da progressão da doença incurável tais como: Disfunção multiorgânica em doente consciente; como a necessidade de revisão/adaptação diária da medicação e/ou da via de administração de fármacos; deterioração rápida do estado geral ou da autonomia. A sobrecarga dos cuidados clínicos, como, cuidados que exigem sedação/ analgesia; cuidados técnicos ou procedimentos complexos.
Existe ainda a ideia errada de que cuidados paliativos significam “não há nada a fazer”. Pelo contrário: afirmamos vida e vemos a morte como um processo natural, sem apressar nem adiar. E neste sentido recebemos muitos doentes, em situação de últimas horas e dias de vida.
2 – Como está estruturada a equipa multidisciplinar e qual o papel da enfermagem na promoção do conforto, bem-estar e acompanhamento integral do doente e da família?
A equipa é multidisciplinar composta por: um coordenador médico, duas médicas com formação avançada, 15 enfermeiros (alguns com pós-graduação), assistente social, TAS, Assistente técnica e contamos também com o apoio da capelania. Ainda não temos psicólogo, mas esperamos colmatar essa lacuna em breve.
A enfermagem tem um papel central e contínuo nos cuidados paliativos, especialmente em situações de agudização clínica. Controlar sintomas, garantir dignidade e respeito pela vontade do doente, mediar decisões e apoiar emocionalmente através da escuta ativa e presença terapêutica. Também envolve preparar a família para decisões e luto. É uma abordagem integral que alia técnica, comunicação e humanização na Comunicação com a equipa e com a família, facilitando decisões partilhadas. Tentamos fazer conferências familiares a todos os doentes internados nas primeiras 72 horas e sempre que é necessário para ajustar as espectativas da família. Muitas vezes é necessário encaminhar para outros profissionais como os orientadores espirituais. A enfermeira é o elo entre o doente, a família e os restantes profissionais.
3 – Como lidam com a dimensão emocional e espiritual dos doentes e família?
A abordagem emocional e espiritual é integrada e personalizada: Nem sempre é fácil lidar com estas dimensões, porque há doentes e famílias que nos tocam profundamente. As reuniões de equipa são fundamentais para refletir e encontrar estratégias. Procuramos uma abordagem centrada na pessoa: escuta ativa, presença terapêutica e respeito pelas crenças. Facilitamos rituais ou apoio religioso quando solicitado, promovendo conforto e esperança, e apoiamos a família em todo o processo.
4- Pode partilhar algum momento especial que represente o espirito da unidade?
Já realizámos dois casamentos no serviço, momentos de grande emoção e significado. Mais recentemente, organizámos a visita de um animal de estimação a um doente, e ver a alegria e cumplicidade entre ambos foi inesquecível. Estes momentos mostram que, mesmo em situações difíceis, é possível criar experiências que dão sentido e conforto.
5 – Que impacto reconhece no trabalho desenvolvido pela unidade – tanto para os doentes e família como para o hospital – e quais os principais desafios e necessidades que se colocam para o futuro.
A UICPA tem um impacto profundo na qualidade de vida dos doentes, assegurando controlo rigoroso de sintomas e dignidade no fim de vida, enquanto oferece às famílias apoio emocional e orientação para decisões complexas, existe uma grande satisfação dos cuidados aqui prestados, exemplo disso são os muitos louvores que nos remetem. Para o hospital, contribui para a humanização dos cuidados e para uma gestão mais eficiente dos recursos, reduzimos os internamentos e custos diretos inferiores.
Contudo, persistem desafios como a falta de formação especializada, dificuldades na comunicação, as referenciações tardias, a demora na resposta das unidades da rede, não haver contratualização de camas de contingência para estes doentes, que ficam muito tempo a aguardar vaga. Ausência de uma equipa comunitária para apoiar estes doentes no domicílio, necessidade de reforçar recursos humanos, garantir formação contínua e criar protocolos que respondam às necessidades.
Para o futuro, é essencial melhorar os canais de comunicação, fazer formação no serviço de urgência sobre os critérios de referenciação para a UICPA, suporte psicológico aos profissionais e maior articulação com cuidados primários e domiciliários, assegurando um modelo centrado na pessoa e na família.
“Em cuidados paliativos, cada gesto conta: não prolongamos dias, mas damos vida aos dias, com dignidade, conforto e humanidade.”