Joana Reis e Sérgio Deodato
AUTORES
RESUMO
Introdução: O plano duro é há muito utilizado para prevenir lesões secundárias da coluna em vítimas de trauma, contudo não estão provados os seus benefícios. Objetivos: Sintetizar o conhecimento existente sobre indicações para imobilização da coluna com plano duro no adulto vítima de trauma com possível traumatismo vertebro-medular (TVM) no pré-hospitalar e serviço de urgência (SU); se há dispositivos alternativos mais indicados. Métodos: Scoping review baseada na metodologia do Joanna Briggs Institute.
Resultados/Discussão: Dos 16 artigos incluídos, a generalidade refere não haver indicações para o plano duro no pré-hospitalar; uma minoria descreve indicações para utilizá-lo; parece unânime que não deve ser usado no SU. A alternativa a usar na imobilização não é consensual.
Conclusão: O Enfermeiro Especialista (EE) é essencial para promover a prática baseada na evidência. Sugerem-se estudos de eficácia sobre a utilização de dispositivos alternativos ao plano duro na pessoa com possível TVM.
Palavras-chave: Traumatismos da coluna vertebral; traumatismos da medula espinal; plano duro; enfermagem em emergência; prática clínica baseada em evidências.
1. INTRODUÇÃO
Imobilizar a coluna com plano duro e colar cervical no pré-hospitalar é considerada uma prática padrão para prevenir lesões secundárias da coluna em vítimas de trauma,(1,2) embora tenham sido criados para extração(3) e não imobilização e transporte. Não está provado que o plano duro tenha efeitos positivos(4) na mortalidade, estabilização da coluna e lesões neurológicas.(1)
O plano duro tem complicações associadas: aumento da pressão intracraniana, redução da capacidade ventilatória com compromisso respiratório, isquémia tecidular com consequentes úlceras por pressão, dor e desconforto, dificuldade em permeabilizar a via aérea,(1,3) aumento do risco de aspiração, do tempo gasto na imobilização atrasando a chegada a centros de trauma e, no hospital, aumento de exames de imagem e gastos em saúde.(5)
O conceito “imobilização da coluna” modificou-se nos últimos anos para “restrição de movimentos da coluna”, isto é, alinhamento anatómico e redução de movimentos grosseiros, que não envolve dispositivos adjuvantes como o plano duro(6) porque não imobilizam coluna, apenas limitam ou reduzem o seu movimento.(7) Isto traduz-se na sua utilização prudente no transporte, sendo muitas vezes removido à chegada do serviço de urgência (SU).(4)
Não há consenso relativamente às indicações para utilizar o plano duro e às suas alternativas,(8–13) provando que é imprescindível mapear a evidência para harmonizar práticas.
2. OBJETIVOS
Contribuir para a prática baseada em evidência sintetizando o conhecimento existente sobre: As indicações para imobilização da coluna com plano duro no adulto vítima de trauma com possível TVM no pré-hospitalar e SU; Se há dispositivos alternativos mais indicados para imobilização da coluna.
3. METODOLOGIA
Efetuou-se uma scoping review baseada na metodologia JBI,(14) seguindo o Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses extension for scoping reviews (PRISMA-ScR).(15) Formularam-se as questões de pesquisa: 1) “Quais as indicações para a imobilização total da coluna com plano duro no adulto vítima de trauma com suspeita de TVM no pré-hospitalar e SU?”; 2) “Há algum dispositivo alternativo ao plano duro mais indicado para imobilizar a coluna da pessoa vítima de trauma com suspeita de TVM?”
Incluíram-se estudos em português, inglês e espanhol entre 1/1/2013 e 1/1/2023; com pessoas de 18 ou mais anos, vítimas de trauma com possível TVM; que analisam a restrição de movimentos ou imobilização da coluna com plano duro ou outro dispositivo; no pré-hospitalar e SU. Aplicou-se a estratégia de pesquisa (quadro 1, Apêndice I) em quatro bases de dados: Academic Search Complete, CINAHL Complete, MEDLINE Complete; SportDiscus with Full Text (via EBSCOhost). As fontes de literatura cinzenta pesquisadas foram: Google Scholar e Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal. O processo de inclusão dos artigos incluídos encontra-se na figura 1. Os resultados estão no quadro 2 (Anexo II).
Figura 1 – Diagrama PRISMA flow(16)

Adaptado(17)
4. RESULTADOS/DISCUSSÃO
Os resultados provêm de 16 artigos: 7 guidelines, 4 declarações de consenso, 4 revisões não sistemáticas e 1 revisão scoping. Todos respondem à questão de investigação no contexto pré-hospitalar, 7 no SU e 11 respondem à segunda questão de investigação.
Sobre o pré-hospitalar, metade dos estudos refere não haver indicação para utilizar o plano duro como dispositivo de imobilização;(3,6,8,18–22) um que não há opinião uniforme em pessoas com trauma contuso;(23) dois indicam-no para ocasiões específicas;(24,25) apenas um aconselha-o sempre que haja suspeita de TVM;(26) e quatro relatam as suas indicações: trauma contuso da coluna com alteração da consciência, défice neurológico focal, deformidade, dor ou sensibilidade à palpação da coluna, alta cinética com sinais de intoxicação por álcool/drogas, lesões distrativas ou inaptidão da pessoa comunicar/contribuir para uma avaliação fidedigna.(2,4,7,12)
Quanto ao SU, os estudos são concordantes: seis concluem que não há indicações para usar o plano duro,(4,6–8,12,24) e um que pode ser usado na fase de ressuscitação, mas removido depois.(26)
Não há unanimidade quanto ao dispositivo alternativo mais indicado para imobilizar o adulto vítima de trauma com suspeita de TVM entre a maca de vácuo, scoop e normal.(3,7,8,12,18–22,24,25)
O plano duro nasceu como resposta à ausência de dispositivos de imobilização e tem sido a base da abordagem à pessoa com suspeita de TVM para imobilizar a coluna e minorar a deterioração neurológica,(3) contudo, a descoberta de complicações e o aparecimento de dispositivos mais sofisticados colocou em causa a sua utilização.
Todos os estudos incluídos nesta revisão foram feitos em países desenvolvidos, podendo significar que estes dispositivos não existem nem são uma prioridade em países carenciados, o que merece uma reflexão sobre a prevalência e abordagem do trauma nesses países, além de poder ser necessário adaptar a prática aos recursos aí existentes.
5. CONCLUSÃO
Parece claro que a generalidade dos estudos incluídos não recomenda a utilização do plano duro como dispositivo de imobilização no pré-hospitalar e SU, todavia não há consenso quanto à alternativa mais indicada para imobilizar a pessoa com suspeita de TVM.
São necessários futuros estudos primários bem desenhados para estabelecer a eficácia dos dispositivos alternativos ao plano duro para imobilizar a coluna na pessoa com suspeita de TVM, com amostras maiores e representativas, para entender qual o mais adequado, contudo compreendemos que questões éticas e legais possam ser barreiras à execução dos mesmos.
A intervenção do EE em enfermagem médico-cirúrgica à pessoa em situação crítica é essencial para identificar o adulto com potencial TVM e, baseando a práxis na evidência existente, impedir a imobilização desnecessária em plano duro, o que melhora o conforto da pessoa, evita os efeitos secundários associados e contribui para a qualidade dos cuidados. O EE deve ainda informar os restantes profissionais de saúde sobre a evidência atual, promovendo a reflexão e mudança de práticas, pois estes não devem basear a sua prática em tradições e crenças, mas sim em resultados de pesquisa e desenvolvimento científico. (27)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICE I
QUADRO 1 – EQUAÇÃO DE PESQUISA

APENDICE II
Quadro 2 – Apresentação dos Resultados


