ARTIGO DE OPINIÃO

 

Morte

Penso nela muitas vezes… na morte…

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Núcleos de Enfermagem: Vozes que Transformam o Cuidar

Em setembro de 2023, a Unidade Local de Saúde de Santa Maria (ULSSM)…

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Rumo ao Futuro: A Campanha de Recrutamento da ULSSM para Novos Enfermeiros

A Saúde é uma área de grande avanço científico e tecnológico…

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Morte

Marta Pinto

Marta Pinto

Enfermeira Especialista em Saúde Infantil e Pediátrica

Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos

Coordenadora do Núcleo de Enfermeiros de Saúde Infantil e Pediátrica da ULSSM desde 2023

Penso nela muitas vezes… na morte. Na minha e na dos que me são indispensáveis à vida como a conheço. Não consigo imaginar uma vida vazia dessas pessoas: as minhas. Desde criança que me lembro de pensar na morte. Embora na altura não tivesse verdadeira noção do seu significado, sempre a tive presente na minha mente. Foi, talvez, quando perdi o meu avô que percebi realmente a efemeridade da vida. E foi preciso ir de Erasmus para me aperceber de que as pessoas que amo, um dia, já não vão estar aqui. Sei que viverão para sempre dentro de nós, que se tornam parte do que somos, se bem que não é a mesma coisa. A saudade instala-se e o conforto de um abraço não pode ser substituído pela lembrança, por mais real e doce que seja. Mas aprendemos a viver com ela e sem elas (dizem…).

Mais do que a minha morte, aterroriza-me a deles. Se para mim quero uma morte indolor, para eles nego sequer a possibilidade de fragilidade. Se (quando) partirem, que seja depois de mim, mesmo que isso me torne egoísta.

Quando cresci, decidi trabalhar com a morte. Bem, na verdade, decidi trabalhar com a vida, aprendendo a aceitar que, muitas vezes, o melhor para eles é a morte. Ela vive ao meu lado, tornou-se parte do meu quotidiano. Já perdi a conta à quantidade de gente que vi morrer. A quantidade de pais que já vi perderem filhos, a quantidade de filhos que já vi perderem pais, a quantidade de pessoas que vi perderem amores e companheiros de vida. Os muitos que vi morrerem sozinhos. A Covid-19 foi particularmente dura nisto. Ninguém devia morrer sozinho.

Quando pensamos em morte, pensamos, muitas vezes, em hospitais. É lá que se declara a maioria delas. Quando o outono começa a apertar, começam também a apertar as angústias das idas à urgência. Tudo se torna caos. Dentro, fora, na comunicação social… Entre as horas de espera que fazem desesperar, encontramos os que vão e não precisam, os que precisam mas demoram a ir, os que ainda não precisam mas que acabam por precisar quando finalmente são atendidos e os emergentes. Esses, a quem a sorte pode bafejar e entram a tempo de uma salvação (penosa, na maioria das vezes) ou, pelo contrário, que chegam demasiado tarde e encontram ali o destino final da sua viagem.

Por norma, quando falamos de Urgência, não paramos para olhar para uma urgência pediátrica. Muito procuradas, por vezes desnecessariamente, por pais preocupados e com excesso de zelo (preferível aos negligentes, parece-me a mim), tornam-se numa espécie de placa de petri durante os meses frios. As crianças são particularmente vulneráveis. A ida desnecessária à urgência pode ser garantia de uma nova infeção. Nos corredores misturam-se os choros e os gemidos infantis, com os ranhos e as tosses características, com os suspiros ou gritos desesperados de pais exaustos, de olhos raiados de sangue por noites mal dormidas, com imagens e sons de campos de guerra, vindos de uma qualquer televisão a um canto, que nos fazem querer acreditar que pode sempre piorar. Lá dentro, no corredor do lado, fechado por uma porta que só abre com cartão, sente-se a morte. Sempre à espreita, escondida no escuro. Silenciosa, tal como o medo daqueles pais que não ousam pronunciar o seu nome, para não a lembrarem.

Uma Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos impõe respeito só pelo nome. A nossa mente vagueia imediatamente para a morte. Todos sabemos que é contranatura um filho morrer antes de um pai. Também todos sabemos, ou talvez não, que essa realidade é mais frequente do que gostaríamos. Julgo que o pior são os sons. Os que vêm lá de dentro. A mistura de alarmes constantes (nem sempre graves, mas sempre irritantes) com o choro dos bebés com bronquiolite, abafando o choro dos pais que tentam, a qualquer custo, manter-se fortes. Estes, os da bronquiolite, são os que garantimos (quase sempre) que vão viver.

É pior quando elas não choram. As crianças, digo. Aos pais recomendo que chorem para libertar. Quando estão tão doentes que já não conseguem chorar, fazem-nos querer chorar de impotência. Mas eu não choro. Deixo isso para eles. Para os pais. A maior perda é a deles. Já vi morrer muitos doentes. Tento não me apegar demasiado. Mas a morte, em Pediatria, consome-nos aos poucos. Arranjamos defesas, ficam as marcas que aprendemos a ignorar. O sofrimento dos pais é avassalador. Não há defesas para isso. E as crianças… são os seres mais incríveis, ensinam-nos tanto, até na morte.

Tenho uma amiga, daquelas que são família e que tem um sentido de humor incrível que me faz rir com as coisas mais parvas e me deixa sempre maravilhada com a sua mente. É também a minha amiga que mais verbaliza o seu medo da morte. Eu percebo. Ela já esteve em risco de morrer. Um Linfoma. Tive medo. Muito medo, quando soube. Nunca perdi um amigo. Não sei lidar com essas mortes. Só com as outras. Acreditei sempre que ela ia sobreviver. Sou otimista e não posso acreditar que este mundo seria injusto ao ponto de me tirar a minha P. Mas o mundo é injusto, não é? Eu tive sorte. Não a perdi. Mas acompanhei o seu sofrimento durante todo o tratamento. A cura pode ser mais devastadora do que a doença e isso faz-nos pensar. Ela pensou muito. Por vezes, demasiado.

Houve um dia em que me disse que queria desistir. Não aguentava mais. Estava cansada do tratamento, da vida naquele corpo, das náuseas, dos suores, dos desconfortos e de tantas outras dores que não são passíveis de transpor em palavras quando não somos nós que as sentimos. Eu aceitei. Bem, eu não aceitei, mas tive de aceitar. Disse-lhe (e senti) que tinha o meu apoio incondicional para qualquer decisão. Ia estar ao lado dela. Contudo, pedi-lhe que repensasse. Por muito duro que estivesse a ser, estava a ser uma decisão egoísta. O tratamento era curativo e, ao desistir, ela não estava a pensar nos pais, na irmã, (em mim), em todas as pessoas para quem a vida fazia mais sentido por ela estar presente. Não a queria perder, mas nunca a iria desrespeitar.

Não sei lidar com estas mortes e sinto-me grata por não ter tido de aprender (ainda). No final, ela escolheu viver e nós ganhámos vida com isso. Continua a ser a minha amiga que me pode chamar baleia encalhada na praia, quando argumenta que nem todos temos moral para falar de amor. Ou que insiste a todo o custo que os castelos são todos iguais: bonitos ao longe, mas que ao perto são só calhaus. E ainda que ela não entenda a minha obsessão por castelos, ao longe e ao perto, continuo-o a adorá-la e a sentir-me grata por poder tentar demonstrar-lhe que está errada e que cada castelo é único e guarda uma história.

Mas o pior, são as crianças. Aquelas que nunca vão discutir castelos, filosofias ou sonhos, porque a vida se tornou demasiado curta e o mundo demasiado pequeno para suportar o seu sofrimento. A morte vai continuar a ser um mistério, mesmo quando a presencio com frequência. Vai continuar a insinuar-se no meu medo de perda e a ensinar-me o poder de um abraço em dias de desespero. Vai continuar a moldar-me o ser e a querer estar naquele lugar e naquele momento, mesmo sabendo que ninguém fica igual depois de ver uma criança morrer.

 


Núcleos de Enfermagem: Vozes que Transformam o Cuidar

Ana Araújo

Ana Filipa Araújo

Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação

Serviço de Medicina Intensiva – Neurocríticos

Coordenadora do Núcleo de Enfermagem de Reabilitação da ULSSM desde 2023

Em setembro de 2023, a Unidade Local de Saúde de Santa Maria (ULSSM) deu um passo estruturante e pioneiro ao formalizar a criação do seu Núcleo de Enfermagem. A decisão foi, desde logo, disruptiva e arrojada: criar núcleos que representassem todas as seis áreas de especialidade, bem como os enfermeiros de cuidados gerais. Pela primeira vez, passávamos a ter uma estrutura interna que corporizava a representação técnica da prática especializada, com um profundo sentido estratégico e de compromisso com a qualidade dos cuidados, sem sobreposição hierárquica. Desta forma, o Núcleo de Enfermagem ramificava em 7 núcleos distintos (Enfermagem de Reabilitação, Enfermagem Médico-Cirúrgica, Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica, Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria, Enfermagem Comunitária e Enfermagem de Cuidados Gerais).

Desde então, assumi a coordenação do Núcleo de Enfermagem de Reabilitação (NER), com uma equipa plural e motivada, ciente da responsabilidade que carrega. E se, à partida, o objetivo parecia claro – promover boas práticas, partilhar conhecimento e valorizar a Enfermagem de Reabilitação – rapidamente compreendemos que o impacto do Núcleo poderia ser muito mais vasto.

Ao longo destes meses, e através da colaboração com outros núcleos de várias instituições do país, tornou-se evidente que o verdadeiro poder dos núcleos reside na sua capacidade de gerar impacto. Impacto clínico, institucional e estratégico.

Os núcleos têm-se tornado catalisadores de mudança, assumindo o papel de consultores técnicos, propositores de soluções e promotores de evidência científica aplicada à prática. Não são estruturas que funcionam em paralelo com a gestão, mas sim em articulação com a direção de enfermagem e em alinhamento com a visão institucional.
Importa aqui distinguir papéis. A Direção de Enfermagem define a estratégia, os Enfermeiros Gestores asseguram a gestão operacional dos serviços e das equipas. Os núcleos, por sua vez, são consultores técnicos que, assentes na evidência e na prática clínica, promovem a qualidade, impulsionam projectos, monitorizam boas práticas e têm capacidade de propor alterações estruturais nos modelos de cuidados.

Um exemplo concreto dessa relevância foi a realização das 1.as Jornadas do Núcleo de Enfermagem de Reabilitação da ULS Santa Maria, que permitiu reunir cerca de 200 pessoas, de norte a sul do país, e onde se evidenciaram não apenas as boas práticas, mas também a capacidade organizativa, formativa e científica dos profissionais envolvidos. Estas jornadas foram o reflexo de uma missão assumida: unir, representar e projetar a Enfermagem de Reabilitação.

O nosso NER tem procurado mapear projetos, ouvir os colegas em diferentes contextos, apoiar iniciativas locais, divulgar boas práticas e, acima de tudo, criar pontes. Pontes entre serviços, entre níveis de cuidados, entre hospitais e centros de saúde. Porque a Reabilitação é transversal. Porque o regresso à funcionalidade e à autonomia das pessoas exige continuidade, visão integrada e um cuidado especializado que não pode ser interrompido nas transições de contexto.

E se, por vezes, se questiona o papel dos núcleos de Enfermagem, a verdade é que não existe mudança sustentada sem quem a impulsione. Estes núcleos têm a responsabilidade de propor, mas também de avaliar e medir. E é nesse caminho que devemos caminhar: com indicadores de avaliação de impacto, com protocolos baseados em evidência, com relatórios que sustentem decisões.

Não basta fazer bem. É preciso mostrar o que se faz, por que se faz, e que resultados se obtêm. E, para isso, os Núcleos de Enfermagem têm de ter tempo, reconhecimento institucional e lugar nos espaços de decisão.

Nos recentes encontros regionais promovidos pela Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação da Ordem dos Enfermeiros, com o objetivo de reunir coordenadores de NER’s, essa ideia foi repetida várias vezes: é necessário criar uma rede entre núcleos, partilhar experiências, aprender com quem já testou soluções e alinhar a intervenção. Juntos, poderemos definir padrões de qualidade, apoiar decisões institucionais e valorizar o papel dos especialistas.

A Enfermagem de Reabilitação tem esta característica particular: acreditar mesmo quando todos os outros já desistiram. Temos um compromisso com a funcionalidade, com a autonomia, com a vida real das pessoas. Os núcleos são a extensão desta missão, organizando o conhecimento, reunindo as vontades e dando corpo a uma visão comum.

O futuro constrói-se em rede. E é por isso que acredito, com convicção, que os núcleos de enfermagem são vozes que transformam o cuidar. Que geram mudança, com evidência e com paixão. E que, nas ULS e fora delas, são já parte essencial do caminho para a Excelência em Saúde.

 


Rumo ao Futuro: A Campanha de Recrutamento da ULSSM para Novos Enfermeiros

Catarina Martinho

Catarina Martinho

Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica

Gabinete de Formação e Investigação em Enfermagem

A Saúde é uma área de grande avanço científico e tecnológico e nunca antes existiu tão elevada produção em saúde como nos dias de hoje. Acompanhada dessa produção está uma procura incessante na resposta à população envelhecida e vulnerável e nos melhores recursos para o fazer.

Nesta crença e compromisso na resposta à população, a ULSSM tem vindo a desenvolver uma campanha de recrutamento de enfermeiros com múltiplas facetas, mas com o propósito único de revelar a nossa identidade e o lugar da nossa prática, de forma transparente e cativante o suficiente para os olhos mais curiosos.

Numa prática já habitual, abrimos uma vez mais, as portas da ULSSM aos futuros enfermeiros e abraçamos estudantes de enfermagem em vários Open Days especialmente dedicados a eles.  Acolhemo-los nos serviços da sua escolha, na cultura institucional e no quotidiano da prática clínica naquele que é o maior hospital do país. Visitam e conversam com profissionais experientes e têm oportunidade de esclarecer as suas dúvidas sobre os próximos passos que serão os primeiros na sua jornada profissional.

Pretende-se que adquiram uma visão realista e informada, que os ajude na tomada de decisão quanto ao futuro local de trabalho e relembrá-los que aqui, o trabalho não se faz sozinho, mas sim em equipa!

De igual importância tem sido a nossa partilha junto das Universidades nos seus eventos de emprego, cedendo-lhes tempo, um território neutro e não tão intimidatório, e uma oportunidade aos estudantes verem respondidas dúvidas e receios ou até descobrir os serviços disponíveis, e serem apoiados na identificação de áreas de maior interesse e afinidade pessoal.

E porque a campanha não se dirige apenas a quem começa agora a profissão, também a nossa presença nas redes sociais tem sido marcada por cartazes, vouchers, reels e um wake-up call a quem decidiu sair do país e por cá se encontra a gozar férias.

Pelo reconhecimento do valor da Enfermagem e os ganhos em saúde que produzimos na população, e pela persistência em manter o rigor, a humanização e inovação que nos são tão característicos, queremos recrutar os melhores para as nossas equipas.

Assente nesta vontade, mantemo-nos firmes em todas as iniciativas que reforcem o nosso compromisso com a formação e integração de novos enfermeiros, que estreitem laços com os mesmos, desejando-lhes um futuro profissional brilhante, mas desejando vir a fazer parte dele.

Rumo ao Futuro