
A história do Serviço Nacional de Saúde (SNS)…

A integração das tecnologias digitais na saúde materna — designadamente…

As Unidades de Cuidados Intensivos (UCI)…

José Hermínio Gomes
Presidente da Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem Comunitária da Ordem dos Enfermeiros
A história do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal é marcada pelo compromisso com a universalidade, a equidade e a gratuitidade no acesso aos cuidados de saúde. Desde a sua criação, o SNS procurou garantir que todas as pessoas, independentemente da sua condição económica ou social, pudessem usufruir de cuidados de qualidade. Contudo, as transformações sociais e epidemiológicas das últimas décadas impuseram novos desafios, como a complexidade dos determinantes sociais da saúde. Perante este cenário, torna-se imperativo repensar os modelos de prestação de cuidados, apostando em abordagens inovadoras que promovam a proximidade, a integração de cuidados e a sustentabilidade. Neste contexto, a Enfermagem Comunitária afirma-se como estratégia política prioritária do SNS, não apenas no âmbito do exercício profissional especializado, mas também enquanto eixo estratégico das políticas de saúde.
A Enfermagem de Saúde Comunitária e Saúde Pública e a Enfermagem de Saúde Familiar, assentam numa visão holística do indivíduo, reconhecendo-o no contexto da família e da comunidade, valorizando os determinantes sociais da saúde como fatores que condicionam de forma decisiva a morbilidade e a mortalidade. Ao contrário de uma abordagem centrada na doença, a Enfermagem Comunitária promove a saúde, previne a doença e apoia a gestão das condições crónicas ao longo do ciclo de vida. Ao colocar o foco nas pessoas, nas famílias e nas comunidades, esta prática responde a questões, não só de saúde, mas também sociais, educativas e culturais, tornando-se num eixo central para a construção de um SNS mais resiliente e sustentável.
O Congresso Internacional de Enfermagem Comunitária, realizado em Coimbra a 12 e 13 de setembro, refletiu o papel desta especialidade como estratégia política do SNS, num momento de necessidade de repensar os modelos assistenciais. O programa abordou temas como a autonomia profissional, a prescrição em enfermagem, o internato de especialização, o papel do Enfermeiro de Família e a valorização da comunidade como unidade de cuidados.
Destacou-se que a prescrição e o internato não são apenas questões técnicas, mas decisões com impacto político, que reforçam a competência, autonomia e identidade profissional. A valorização do Enfermeiro de Família e da Comunidade como unidade de cuidados evidenciou a importância da proximidade e da intervenção sobre determinantes sociais, através de programas como saúde escolar, capacitação de cuidadores e apoio a populações vulneráveis.
O congresso sublinhou a Enfermagem Comunitária como promotora de equidade e justiça social, orientando recursos para quem mais necessita e contribuindo para a sustentabilidade do SNS. A dimensão internacional reforçou o alinhamento com tendências globais, como a gestão integrada da doença crónica e a promoção da literacia em saúde.
Ao dar visibilidade às práticas de excelência e transformar a experiência clínica em evidência científica, o congresso consolidou a identidade dos enfermeiros especialistas e projetou a Enfermagem Comunitária como referência para inovação, proximidade e melhoria contínua dos cuidados de saúde.

Alda Rufino
Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica
Bloco de Partos e Urgência de Obstetrícia e Ginecologia (funções de chefia)
A integração das tecnologias digitais na saúde materna — designadamente aplicações móveis (mHealth), realidade virtual (RV), realidade aumentada (RA), telemonitorização e wearables — têm vindo a transformar o acompanhamento perinatal. Estas tecnologias prometem potenciar a educação, o autocuidado e a experiência de parto das grávidas, enquanto colocam novos desafios organizacionais, éticos e legais aos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica (EEESMO´s).
A experiência do trabalho de parto e nascimento é um momento profundamente transformador na vida de uma mulher / família. Nos últimos anos, a tecnologia tem vindo a assumir um papel cada vez mais significativo nesta área.
Neste mundo digital as aplicações móveis dirigidas às grávidas têm um vasto espectro funcional: educação pré-natal, registo de sintomas e sinais vitais (contagem de movimentos fetais, registo de glicemias, tensão arterial), alertas de consultas/vacinas, sugestões de estilo de vida e canais de comunicação com equipas de saúde. A evidência revela elevadas taxas de downloads e de utilização inicial, mas de retenção variável.
A comunidade científica começa agora a estudar o seu impacto na vivência da parturiente, levantando questões importantes. Apesar da necessidade de mais estudos, os seus resultados revelam um impacto positivo de como a grávida se prepara e vivencia o parto. A redução do medo e ansiedade no parto, uma perceção de maior envolvimento e compreensão do processo e uma comunicação mais eficaz entre a parturiente e os profissionais de saúde, são fatores determinantes para uma experiência positiva do parto.
No entanto, sente-se a necessidade de uma abordagem mais crítica. A evidência científica não nega os potenciais benefícios das aplicações, mas alerta veementemente para os seus perigos.
A desvantagem fundamental assenta nos riscos de que, na ausência de rigor, supervisão e regulamentação, uma ferramenta concebida para empoderar se possa transformar num veículo de desinformação e violação de privacidade.
Apesar do impacto positivo publicado em vários estudos a validade desta evidência é questionada nos estudos que anunciam a baixa qualidade técnica e científica e o não envolvimento dos profissionais de saúde no desenvolvimento destas aplicações móveis.
Somando à sua baixa qualidade está a revelação da vasta partilha de dados dos utilizadores com terceiros e com políticas de privacidade muitas vezes obscuras.
A recolha e tratamento de dados sensíveis obrigam a conformidade com normativas (ex.: Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados /legislação nacional), exigindo políticas institucionais claras e supervisão dos processos de consentimento.
A recomendação que emerge dos estudos é clara ao reconhecer que os profissionais de saúde devem desempenhar um papel ativo em “prescrever” ou recomendar aplicações específicas que sejam clinicamente validadas e seguras, orientando as grávidas na sua utilização crítica, como um complemento – e nunca um substituto – dos cuidados pré-natais tradicionais.
As tecnologias digitais, em particular as aplicações móveis, oferecem oportunidades substanciais para melhorar o acompanhamento e a experiência das grávidas. Porém, a sua integração eficaz em instituições de saúde exige validação científica das ferramentas, protocolos institucionais claros, formação contínua dos EEESMO e estruturas rigorosas de proteção, privacidade e segurança dos dados.

Jani Ferreira
Enfermeira Especialista Enfermagem Médico-cirúrgica
Serviço de Medicina Intensiva, Coordenadora do Núcleo de Enfermagem Médico-cirúrgica
As Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) representam ambientes de elevada complexidade, onde a vida da pessoa depende de decisões rápidas, seguras e fundamentadas. O Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-cirúrgica (EMC) assume um papel singular, onde a complexidade exige não apenas competências técnicas, mas também uma liderança sólida aliada à visão estratégica. Embora muitas vezes o seu trabalho seja discreto, sem resultados imediatos como os de outras especialidades, o seu impacto a longo prazo é determinante para a qualidade dos cuidados prestados.
Segundo a Ordem dos Enfermeiros, o especialista EMC deve dominar competências avançadas de avaliação, planeamento, implementação e supervisão de cuidados complexos, integrando o conhecimento científico com a prática de cuidados. Na UCI, estas competências traduzem-se na coordenação eficaz de equipas, na monitorização de indicadores sensíveis à prática de enfermagem e na implementação de protocolos que promovem segurança, prevenção de eventos adversos e melhoria contínua.
O enfermeiro especialista deve afirmar-se como referência para a equipa, promovendo cuidados que conciliem a exigência técnica e a urgência da intervenção com o respeito inalienável pela pessoa. Num cenário intensamente tecnológico, a sua liderança assegura que a dignidade da pessoa se mantenha como eixo central de toda a prática de enfermagem, ele forma e orienta colegas menos experientes, promove a formação contínua, estimula a reflexão crítica e garante que todos os membros da equipa partilham os mesmos padrões de qualidade. A sua postura influencia diretamente a adesão da equipa às boas práticas, fomenta a comunicação interdisciplinar e fortalece a confiança da família como parte integrante do processo do cuidado na pessoa em situação critica.
Importa reconhecer que a Enfermagem Médico-Cirúrgica é uma especialidade relativamente recente no panorama da enfermagem em Portugal e, por isso, ainda em processo de afirmação plena. Essa juventude traduz-se em desafios específicos, desde a necessidade de maior visibilidade do seu impacto nos resultados em saúde, até à consolidação do seu papel junto de outras especialidades. No entanto, é precisamente neste percurso de afirmação que o enfermeiro especialista encontra espaço para demonstrar o valor acrescido da sua intervenção.
Na minha perspetiva, o enfermeiro especialista tem de avocar um papel de liderança, reforçando-se como um pilar indispensável na UCI, ao assumir-se como agente de mudança, garante que a prática se mantenha alinhada com a evidência científica, promove a melhoria contínua e, acima de tudo, assegura cuidados que são simultaneamente técnicos, humanos e de qualidade. É invisível em alguns momentos, mas o seu impacto molda a qualidade no cuidado à pessoa de forma profunda e duradoura.