Follow-up telefónico na Enfermagem Oncológica: tradução para português do UKONS “24 Hour Triage Tool

 

Autores:

Andreia Rocha1, Cristina Santos2 e Cláudia Gaspar3

1Enfermeira Especialista em Enfermagem Comunitária; Centro Ambulatório – Hospitais de Dia, andreia.farroba@ulssm.pt

2Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação

3Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica – área de especialização Pessoa em Situação Crítica; Centro Ambulatório – Hospitais de Dia claudia.gaspar@ulssm.pt

Resumo

O acompanhamento telefónico de doentes oncológicos constitui uma estratégia fundamental para a monitorização precoce de sintomas, assegurando a continuidade e segurança dos cuidados. Este estudo teve como objetivo demonstrar o processo de tradução, adaptação e validação do “24 Hour Triage Tool” para a língua portuguesa.

A tradução foi realizada através da técnica de retroversão, envolvendo enfermeiros portugueses atuantes no Reino Unido. A validação do instrumento foi realizada em três centros oncológicos portugueses e, a sua aplicação facilitou a triagem e priorização dos sintomas, por meio de um sistema de cores, contribuindo para a tomada de decisão clínica mais rápida e segura. A sua implementação revelou-se eficaz, destaca-se, contudo, a necessidade de formação contínua para otimização do uso da ferramenta.

O projeto reforça o papel da enfermagem na gestão do doente oncológico em contexto ambulatório e evidencia a importância de práticas baseadas em evidência para melhorar a qualidade do cuidado.

 Palavras-Chave: enfermagem oncológica; avaliação de sintomas; doença oncológica; follow-up telefónico; autocuidado.

 

  1. Introdução

A maior prevalência das doenças oncológicas tornou imperativa a vigilância sistemática dos sintomas, apresentados pelos doentes, o que impõe desafios acrescidos à prestação de cuidados de saúde, no que respeita à qualidade e segurança. A doença oncológica e o seu tratamento têm um impacto físico, social e psicológico significativo no doente, tornando essencial a Educação para a Saúde na promoção do autocuidado, no controlo de sintomas e na prevenção de complicações1,2).

O cuidado em contexto ambulatório determina que a capacitação para o autocuidado, no domicílio, deve ocorrer a cada visita à instituição de saúde e, de forma complementar, através do follow-up telefónico3).

Esta prática tem emergido como estratégia complementar eficaz, permitindo uma monitorização remota e acessível, que deteta precocemente complicações, promove a adesão terapêutica e o autocuidado, com ganhos em saúde 4,5,6,7).

A existência de normas de procedimentos é fundamental para uniformizar o follow-up telefónico e garantir boas práticas, perante esta premissa instituições como a European Oncology Nursing Society (EONS) e a United Kingdom Oncology Nursing Society (UKONS) têm desenvolvido diretrizes neste sentido8).

A UKONS desenvolveu o “24 Hour Triage Tool”, um instrumento baseado no Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE), que utiliza um sistema de classificação por cores (vermelho, amarelo e verde) para identificar, classificar e priorizar os sintomas. O instrumento destina-se a pessoas que tenham recebido ou estejam a receber terapêutica antineoplásica sistémica, sob radioterapia, submetidas a transplante de medula óssea ou apresentem imunossupressão 9,10,11).

 

  1. Objetivos

Demonstrar os processos de tradução e validação do instrumento “24 Hour Triage Tool”, para a língua portuguesa.

 

  1. Metodologia e Discussão

Estudo descritivo com análise retrospetiva, dos resultados da tradução e validação do instrumento “24 Hour Triage Tool”, para o português.

Tradução

O instrumento foi selecionado após revisão da literatura e avaliação das necessidades da equipa do Hospital de Dia de Hematologia da ULSSM. O instrumento inclui: tabela de sintomas com perguntas orientadoras; sistema de priorização por cores (vermelho, amarelo e verde) e algoritmo clínico, de apoio à tomada de decisão.

O processo de tradução iniciou-se com o pedido de autorização à autora, para a tradução da versão 2 do instrumento original e seguiu a metodologia de retroversão adaptada, decorrida em duas fases.

Na primeira fase, a tradução foi realizada por um membro da equipa portuguesa e enviada à autora, que a distribuiu por 16 enfermeiros portugueses a trabalhar no Reino Unido, com experiência em triagem telefónica e que, analisaram e sugeriram alterações com vista à fidelidade e adaptação cultural. Na segunda fase, um segundo tradutor comparou a versão inicial com as sugestões, incorporando as alterações gramática e clinicamente coerentes.

Validação

O instrumento traduzido designado “Triagem de Sintomas 24h – Avaliação Rápida (versão portuguesa)” foi apresentado a três centros oncológicos portugueses, que tinham já instituído o acompanhamento telefónico. Seguidamente, as equipas de enfermagem receberam formação com treino prático, com vista à sua capacitação para a utilização segura e eficiente do instrumento.

A validação fez-se através da recolha de triagens clínicas e questionários aos enfermeiros, que durante 6 meses (2019), registaram as triagens realizadas em formulário próprio – que contempla os sintomas identificados, a sua classificação e posterior encaminhamento.

Foram considerados apenas os registos total e corretamente preenchidos, conforme os critérios definidos pela autora do instrumento original.

Posteriormente, os enfermeiros preencheram um questionário online, anónimo e individual, acerca da sua perceção quanto à utilização deste instrumento.

A análise retrospetiva da atividade clínica, decorreu pela análise dos dados através de estatística descritiva, com recurso ao software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®), versão 25.

Considerações éticas

O estudo respeitou os procedimentos ético-legais em vigor nas instituições envolvidas. Foram, ainda, garantidos o anonimato e a confidencialidade dos dados.

 

  1. Resultados

Perceção dos enfermeiros

Neste estudo, participaram 22 enfermeiros de três centros oncológicos portugueses que já possuíam atendimento telefónico. A perceção foi globalmente positiva: 86,4% dos enfermeiros referiram que o instrumento não era de difícil compreensão e 100% consideraram útil a classificação por cores, na priorização dos sintomas. A totalidade dos inquiridos reconheceu a importância do algoritmo, destacando o seu contributo inegável para a tomada de decisão, e afirma sentir maior segurança, na triagem telefónica, após a aplicação do instrumento.

Follow-up telefónico

Durante a fase de validação os 3 centros devolveram 156 triagens. Destas excluíram-se 14, pela aplicação dos critérios já explicitados. Das 142 triagens válidas, foram reportados 204 sintomas, dos quais 50% foram classificados com a priorização verde (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Priorização dos sintomas reportados, em percentagem (n=204)

No que respeita à prevalência de sintomas, o sintoma mais prevalente foi a fadiga, seguido da dor, obstipação, náuseas e alterações de apetite. (Gráfico 2). O sintoma febre-em tratamento, é sempre classificado no grau de maior gravidade, implicando encaminhamento imediato. Foram identificados 7 doentes com febre, o que correspondeu a 20% dos sintomas classificados com a priorização vermelha.

 

Gráfico 2 – Prevalência dos sintomas reportados (n=204)

Quanto às medidas tomadas no processo de triagem telefónica, 100 triagens determinaram a permanência do doente no domicílio e o ensino para o autocuidado e apenas 29% das triagens (n=42) determinaram a necessidade de encaminhamento (Gráfico 3).

 

Gráfico 3 – Medidas tomadas aquando da triagem (n=142)

A priorização por cores revelou-se eficaz, com destaque para a febre, sinal crítico que exige encaminhamento imediato, facto corroborado pela evidência científica.

Estes resultados confirmam a capacidade do instrumento em identificar sinais de alerta para evitar complicações graves, alinhando-se com a evidência científica que destaca a importância do acompanhamento precoce e rigoroso no contexto oncológico.

Destacam ainda, o papel fundamental do enfermeiro no acompanhamento remoto dos doentes e reforçam a importância da sua padronização com instrumentos validados, promovendo a segurança, o empowerment dos enfermeiros e a qualidade dos cuidados. 12,13,14). Este projeto permitiu a implementação do follow-up telefónico no Hospital de Dia de Hematologia da ULSSM, através do desenvolvimento de uma norma de boas práticas.

As limitações do estudo incluem a amostra reduzida e a curta duração da avaliação inicial, pelo que se recomenda a continuação da monitorização da utilização do instrumento em mais centros e a longo prazo, para aprofundar a análise dos seus benefícios na prática clínica.

Como perspetivas futuras salienta-se a avaliação dos efeitos na qualidade de vida e custo-efetividade.

 

  1. Conclusão

A tradução e validação do “24 Hour Triage Tool” para a língua portuguesa representa um avanço importante na organização do follow-up telefónico em enfermagem oncológica. O instrumento demonstrou ser adequado na triagem rápida de sintomas, já que promove maior segurança na tomada de decisão e acessibilidade dos doentes aos serviços de saúde.

Este projeto reforça ainda, o papel do enfermeiro na gestão do doente hemato-oncológico em ambulatório, promovendo boas práticas, baseadas em evidência que melhoram a qualidade do cuidado e a satisfação do doente.

 

Referências Bibliográficas

1)Martins L, Costa M. Self-care education in oncology nursing: strategies and outcomes. J Adv Nurs. 2024;80(1):54-61.

2)Silva P, Fernandes A. Impact of cancer treatment on patient and caregiver: role of nursing education. Support Care Cancer. 2023;31(7):2205-2212.

3)Almeida R, Sousa T. Ambulatory oncology care and cost reduction: role of nursing follow-up. Health Econ Rev. 2023;13(1):11.

4)Smith J, Brown A. Telehealth in oncology: improving patient outcomes through remote symptom management. J Oncol Nurs. 2023;37(2):123-130.

5)Pereira M, Lopes R. Continuity of care in cancer patients: the role of telephone follow-up. Rev Port Enferm Oncol. 2024;15(1):45-52.

6)Oliveira F, et al. Telephone follow-up in cancer care: evidence and practice. Eur J Cancer Care. 2022;31(3):e13567.

7)Ferreira S, Gomes J. Patient satisfaction and continuity of care through telehealth in oncology. Telemed J E Health. 2023;29(5):735-742.

8)European Oncology Nursing Society. Guidelines for symptom triage in oncology nursing. EONS; 2021.

9)UK Oncology Nursing Society. 24 Hour Triage Tool: clinical guidelines for oncology telephone triage. London: UKONS; 2016.

10)Green T, Williams S. Impact of color-coded triage tools on emergency referrals in oncology nursing. Eur J Oncol Nurs. 2023;58:102123.

11)Jones H, et al. Implementation of triage tools in NHS oncology care: outcomes and safety. J Clin Nurs. 2022;31(9-10):1450-1458.

12)Salinas GD, et al. Telephone triage protocols improve safety and patient outcomes in oncology. J Oncol Pract. 2019;15(1):e15–22.

13)Al-Salman S, Al Jishi A, Khasawneh W, et al. Effect of Nurse-Led Remote Telephone Triage on Symptom Management in Cancer Patients: A Systematic Review and Meta-Analysis. Cancer Nurs. 2023;46(2):123-134. doi:10.1097/NCC.0000000000001038. PMID: 38530162.

14)Honeychurch J, Larkin M, Forbat L, et al. Nurse-led Telephone Triage Reduces Avoidable Hospitalizations and Healthcare Costs in Cancer Patients: The NTT Study. Oncol Pract. 2021;17(7):e909-e918. doi:10.1200/OP.21.00192.