Muitos não sabem que existem, mas nos serviços por onde passam diariamente são bem conhecidos, sobretudo pelos próprios doentes.
Acompanhámos a brigada de barbeiros da ULS Santa Maria e comprovámos que o seu trabalho é muito mais do que fazer a barba aos doentes.
“Já estava à sua espera”. É a frase mais ouvida quando aparecem com o seu trólei pela manhã à entrada dos Serviços. Flora Cardoso, Carla Lopes e Daniel Ferreira começam cedo e conhecem bem os cantos à casa.
Sob a alçada da Direção de Enfermagem há 22 anos, estes Técnicos Auxiliares de Saúde visitam cerca de 40 serviços do Hospital, tentando passar pelo menos duas vezes por semana em cada um deles.
A Enfermeira Ana Gonçalves, que este ano se reformou após 35 anos de carreira na ULSSM, ainda se lembra da antiga barbearia que funcionava no Piso 2, que tinha um grupo grande de profissionais, homens e mulheres. “Os doentes que podiam caminhar deslocavam-se à barbearia. E havia um grupo que ia aos serviços”, confirma.
Depois do encerramento da barbearia, a enfermeira Ana Gonçalves juntou às suas funções na área da formação e investigação de enfermagem a coordenação das equipas dos “Vestiários” e dos “Barbeiros”. “Prestamos um serviço que acreditamos que contribui de forma substancial para o bem-estar dos utentes”.
O gosto e o compromisso por prestar estes cuidados aos doentes juntou no mesmo grupo esta equipa que agora continua a trilhar o já longo caminho traçado.
Sensibilidade e conforto
“Vamos fazer a barba? E o cabelo, posso dar um jeitinho?” pergunta Flora ao seu primeiro “cliente” ao mesmo tempo que lhe faz uma festa na face. “Qual é o pente?”, continua, com a naturalidade de quem sabe a resposta, ao mesmo tempo que prepara o material a utilizar.
Hoje, começou pela Neurologia. “Não é fácil, muitas vezes, os doentes parece que nem dão por nós. Mas no final percebemos que sim. Sentem-se reconfortados”.
Antiga cabeleireira e filha de barbeiro, Flora está em Santa Maria há 32 anos, dez como barbeira. O que a motivou para esta função foi o contacto com o doente. Como Auxiliar de Ação Médica, função que desempenhava antes, também já o tinha, mas ainda não se sentia realizada. “Pedi transferência para aqui e tive sorte. Entrei e gosto muito”.
Nesta profissão, nada a intimida: “Vi o meu pai fazer tantas barbas, que aprendi tudo antes de tirar o curso de cabeleireira. E o bichinho ficou”.
Foi no trabalho que encontrou forma de ultrapassar os períodos mais difíceis na sua vida. “É aqui que eu me sinto bem. Gosto de ajudar as pessoas”. Com 61 anos, Flora consegue gerir bem o tempo livre. Por volta das cinco horas acorda para fazer meditação. E além de ler, que é o hobby principal, também faz Reiki e Ioga. E não é tudo, completa as tarefas e a dedicação à família com a doçaria, muito apreciada sobretudo pelos netos: “Os meus doces são bons. Feitos com muito amor!”.
Cada caso é um doente
Noutro Serviço, a realidade muda e as necessidades dos doentes também. Na Hematologia, por exemplo, podem surgir pedidos de rapagem de cabelo ou de parte dele para as cirurgias. Já na urgência, “podemos ser chamados para fazer uma barba complexa ou cortar um cabelo muito comprido, que pode até ser de rastas, por exemplo”, sublinha o único barbeiro homem. “Na Medicina, há por norma mais doentes. Temos os serviços divididos pelos três”, explica Daniel Ferreira.
Entrou para a ULSSM em 2001. Na altura, fazia o transporte dos doentes no serviço de transplante renal. “Tudo o que gravitava à volta desses doentes passava por mim”. Certo dia tudo mudou: um acidente de mota impossibilitou-o de fazer esse trabalho e ingressou nos vestiários de enfermagem, onde passou a desempenhar outras funções. Mas Daniel precisava de se sentir mais motivado e de dar sentido ao que fazia. Assim, surgiu a oportunidade de integrar a brigada de barbearia. “Preenchi a vaga e fiquei no lugar certo”.
À sua espera, no corredor está um doente que mal fala português: “Então, sempre vai ter alta hoje?”, pergunta o Daniel. E só ele percebeu a resposta. “Este senhor é indiano, mesmo assim já consigo perceber que quer fazer a barba. Tenho perguntado se quer cortar um pouco o cabelo, mas ele não quer. Tenho que respeitar. Pode ser por uma questão cultural”.
Antes de começar a trabalhar, há uma primeira abordagem com a enfermagem. “Tenho que perceber os contextos, saber o que o doente tem, a sua capacidade de mobilização e comunicação.” Mais do que fazer a barba, há uma ligação, uma cumplicidade de barbeiro para doente: “Quero que se sintam como em casa o mais possível”.
No final do dia, outra recompensa à espera. “Tem quatro anos, por enquanto, ainda não me pede para fazer a barba, mas tenho que reservar alguma energia para as brincadeiras com o meu filho”.
Coração de mãe
Dezanove anos na Medicina como Assistente Operacional e três como barbeira, Carla Lopes conhece bem o Hospital de Santa Maria. A farda azul e o ar afável prestam-se a que haja contacto por parte das pessoas nos corredores a perguntarem como ir para uma consulta ou para um exame. A resposta surge na ponta da língua.
O Serviço de Cuidados Intensivos da Cardiotorácica é um dos que visitou nessa semana, em que por vezes os doentes estão ventilados. O cuidado e a sensibilidade são um dos requisitos dos barbeiros. Aqui são postos à prova, mas os doentes confiam. No final, Carla sente a recompensa. Por norma, surge um sorriso e o reconhecimento pelo seu desempenho. Basta uma barba feita e um corte de cabelo para mudar uma aparência. “Nem parecem a mesma pessoa. Muitos sentem-se mais dignos e aliviados. E até as famílias ficam muito agradecidas pelo nosso trabalho”.
Antes de acabar o turno, ainda acompanhamos a barbeira em mais um piso, desta vez o de Otorrinolaringologia. Aqui há doentes com traqueostomia que querem fazer a barba. Estes doentes têm a pele muito sensível no rosto e demora um pouco mais. “Não é Sr. João?”. O doente faz sinal que sim.
No final do turno, tudo correu pelo melhor. É tempo de regressar a casa. Os filhos, de 11 e 16 anos, e o marido, aguardam a mãe Carla, para as atividades em família.
Amanhã é outro dia e cada um é diferente do anterior. Estes são os três barbeiros do Hospital de Santa Maria, há vários anos a cuidar doentes e, desta vez, a contar a sua história.
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